sexta-feira, 22 de julho de 2011

Do cérebro para a barriga

Tenho outro blogue, chama-se Lista de Compras e há uns anos valentes, escrevi um post, ou melhor, reproduzi um post de uma outra blogger que continha a expressão «virgens aparecidas das dores do parto». Fui insultada por várias dessas pessoas que eu classificava de forma menos simpática (sim é um eufemismo, eu sei), apareceram doulas, apareceram pessoas que me chamaram ignorante e eu nas tintas para todas elas.

Para mim, naquela altura, parto era igual a duas coisas: nascimento e dor. Parto era principalmente dor, porque o nascimento era uma inevitabilidade e um desejo para mim, que estava grávida. A dor não. A dor era algo a evitar a todo o custo.

Até o meu marido levou com as minhas fúrias pró-epidural, quando ousou dizer-me: «Mas tanta gente pariu, como pode ser assim tão difícil? A tua avó teve cinco filhos!». E eu, virada para aquele homem que obviamente não tinha qualquer voto na matéria porque nunca iria sentir uma contracção na vida, subia paredes. «A minha avó também deve ter arrancado dentes sem anestesia e sobreviveu, mas se eu posso não ter dor, obviamente que não quero ter.» A analogia com a cadeira do dentista era a minha preferida e de cada vez que alguém me falava de parir sem epidural eu benzia-me, ou amaldiçoava quem proferia tal heresia.

Toda a minha vida ouvi falar de dor no parto. Todos os filmes que tinha visto até então mostravam mulheres aos gritos desenfreados, sangue por todo o lado, um cenário de horror. A verdade porém é que nunca falei com a minha avó a tempo de poder perceber o que tinha sido para ela, ela que se chamava Luz, parir cinco filhos sem anestesias, em casa, rodeada de outras mulheres. Já não vou a tempo.

E então chegou o meu primeiro filho. Nove meses depois de uma gravidez maravilhosa, nunca me senti cansada, nem inchada, nem farta de estar grávida, adorei cada pontapé que ele me deu, tudo. Pouco pensei no momento que estava para chegar. A médica iria estar no hospital privado onde eu iria ter a criança, um anestesista ao meu dispor e a ideia, lançada numa das últimas consultas, acho que a única na qual se falou do parto, de provocar o nascimento do bebé.

Perguntei porquê, se estava tudo tão bem. Responderam-me do outro lado, do lado de uma bata branca, para a minha barriga de oito meses: «É mais seguro, porque assim está tudo controlado e o bebé monitorizado do princípio ao fim.»

«Monitorizado, seguro e sem dor?», perguntou o meu cérebro sem ligar à minha barriga. É isto que eu quero. É isto que a minha cabeça pede. E foi isso que tive. Não dei um ai... Não senti uma contracção. Rebentaram-me as águas com um instrumento horroroso e foi o único momento de dor que tive.

Naquele dia tão importante da minha vida, passei o dia a ler revistas e lembro-me até de o meu marido falar de futebol com o anestesista. Acho até que havia uma televisão ligada. Havia isto tudo na minha cabeça. E na minha barriga, tão longe, estava um bebé a receber fármacos para nascer. Na minha barriga estava a epidural que me deixava ler revistas num dia daqueles. O dia em que o meu filho nasceu.

A meio da tarde o primeiro medo: «Se calhar vamos ter de fazer uma cesariana. Não está a dilatar.» E acho que aí a minha barriga me disse alguma coisa. Eu respondi nem pensar. Vá dar uma volta. Venha mais tarde. E assim foi. Às 18h15 tinha a médica a pedir uns forceps, um pediatra a empurrar-me a barriga e eu a fazer sei lá o quê que me mandavam, com panos verdes por todo o lado, eles a falarem e a minha barriga nada, longe da minha cabeça.

Ele nasceu. Sim, nasceu. O meu filho nasceu. E deste dia é isto que eu tenho para contar. Vi-lhe os pés, depois a cara. Levaram-no e eu fui cosida. Voltaram e ele mamou, mamou lindamente. Estava tudo bem com ele. Mas no meu cérebro, houve uma coisa que não se acendeu...

Não percebi logo tudo. E quando falava com alguém dizia correu tudo bem, não doeu nada. Não doeu nada, foi tudo muito bem. Só mais tarde se fez luz, na minha cabeça, no meu coração e na minha barriga que já não era de grávida... Correu tudo bem sim. Nasceu um bebé saudável. Eu sobrevivi sem mazelas físicas de maior.

Mas faltou. Faltou uma coisa. Eu. Eu com ele. A minha cabeça, com o meu coração e a minha barriga e as minhas pernas e os meus músculos e as minhas hormonas e o meu sangue e a minha força junta com ele. O Jaime nasceu sozinho. E eu afinal podia ter estado lá...

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