sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Dor não é igual a sofrimento


"Muitas mulheres sofrem durante o parto porque não são respeitadas, não são bem tratadas, não sabem nada do que têm de fazer, sentem-se sozinhas. E isso pode transformar a dor em sofrimento"

Uma mulher sábia.


quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Yes we can


Há coisas que temos de ver. Há outras que temos de ouvir e muitas que temos de ler. Quando perdemos contacto com muita coisa que nos é inata, instintiva, selvagem até, temos de voltar a aprender, temos de pensar e depois podemos decidir. Decidir em consciência, decidir com informação, decidir duvidando.

Este projecto tenciona fazer isso mesmo: mostrar às mulheres e aos homens que o nosso corpo está preparado para parir. Que algo vai muito mal quando quase 40 por cento das mulheres portuguesas são submetidas a cesarianas, que algo vai ainda pior quando uma mulher saudável pede para ser operada porque tem medo. Medo porque não conhece. Medo porque não está informada. Medo porque nos perdemos no caminho algures e é tempo de voltar.

A luta pelo parto natural, ou como também gosto de dizer, a luta pela escolha informada, pelo fim das intervenções em catadupa e desnecessárias, contra a excessiva medicalização do parto, contra a forma como as mulheres são (des) tratadas e muitas vezes vítimas de abuso obstétrico, já começou em Portugal. Começou devagar, devagarinho e vai fazendo o seu caminho. Um caminho longo, com muitos obstáculos pelo meio, que só pode ser verdadeiramente desbravado por nós, mulheres e homens que querem voltar a ter uma palavra no nascimento das crianças.

Há sete anos e meio, quando o meu filho nasceu, eu nada sabia e a escolha era praticamente inexistente. Hoje, depois do trabalho de muita gente, já é possível ter um parto natural num hospital (ainda que sejam ainda tão poucos os locais e tão poucos os profissionais que o praticam). É possível.

E quando falo de parto natural, há que explicar o que isto significa. Ou talvez mais fácil será começar pelo que não significa. Não significa apenas um parto sem epidural, embora o seja. Quando falo em poder ter acesso a um parto natural, quero dizer que me será permitido:

1. Movimentar-me livremente
2. Não receber soro e muito menos drogas que acelerem o trabalho de parto
3. Ser assistida com dignidade e respeito pela minha privacidade
4. Ser informada de qualquer e toda a intervenção que vier a ser feita
5. Apenas ser submetida a uma episiotomia (corte dos tecidos vaginais) em caso de necessidade de acelerar o parto (por razões estritamente médicas - e aqui não se inclui a hora de jantar do profissional de saúde)
6. Permanecer sempre junto do bebé e amamentá-lo na primeira meia hora de vida

E só assim o parto natural pode acontecer. E só nestas condições é que me passa pela cabeça não utilizar anestesias de qualquer espécie. Porque por cada ponto não respeitado gerar-se-á a necessidade de uma nova intervenção.

Estar na posse de toda a informação possível, sobre todos os actos médicos que podem ser feitos durante o trabalho de parto e sobretudo sobre o que vai acontecer ao nosso corpo e ao nosso espírito durante aqueles momentos, é fun-da-men-tal.

É por isso que projectos como este do One World Birth são válidos, importantes e bem vindos.
A mudança começa dentro de cada um de nós (passe o cliché)...

quarta-feira, 27 de julho de 2011

E se alguém lhe oferecesse....

...a mais inacreditável experiência da sua vida?

A citação é livre, a frase ouvi-a de uma parteira num documentário chamado Orgasmic Birth, cujo subtítulo é: o segredo mais bem guardado.

Deixou-me a pensar, a frase e o filme, e cada vez penso mais nela. A história da humanidade confunde-se obviamente com a história das mulheres e ao longo dos tempos a gravidez, o parto e a maternidade têm sofrido mudanças enormes. Umas para melhor, outras... talvez nem por isso.

É certo que não queremos voltar a parir sem segurança, nem para nós nem para os bebés. No fundo, toda a grávida sabe que o que conta em última instância é que tudo termine com uma mãe saudável com um bebé saudável nos braços.

Só não concordo com as teorias de que para se voltar a uma experiência mais natural há que sacrificar a segurança. A maioria da classe médica refugia-se nos dados e nos resultados para achar que a partir daqui tudo é inquestionável.

É a posição deles, que advém de anos a estudar e a aprender como tratar e resolver os problemas que podem ocorrer durante uma gravidez e durante um parto. É importante pensar nisto. Os obstetras não aprendem a estar ali a olhar para um parto e deixar que tudo aconteça, se de facto nada de errado está a ocorrer. E como acabaram por ser chamados para o centro do parto, começaram a intervir, a intervir, a intervir. A mulher... colabora. Quantas vezes já ouvimos esta expressão?

Mas por alguma razão, as grávidas e as mães de hoje preferem deixar tudo nas mãos dos «especialistas» e tornarem-se meras colaboradoras, quando não espectadoras, do seu próprio parto.

É estranho. Não conheço nenhuma mãe que não queira escolher o berço, não conheço nenhuma que deixe ser outra pessoa a comprar todas as roupas para o recém nascido, nem tão pouco ouvi falar de gente que não tencione escolher a creche para onde irá o seu filho. Porque a verdade é que se calhar o decorador, o fashion adviser e o pedagogo é que sabem o que é melhor nestas alturas, certo?

Então por que razão inter-estelar deixámos nós que os especialistas se apropriassem de um momento tão importante como o nascimento de um filho, principalmente naqueles casos - que felizmente são a graaaande maioria - em que tudo está bem, tudo corre bem e tudo acaba bem?

Porquê? O que é que nos aconteceu para pensarmos que não somos capazes? O que é que nos contaram para que o parto seja sinónimo de dor e de nada mais? O que é que nos mostraram? Mas principalmente, o que é que nos andaram a esconder?...

É por causa desta última interrogação que acho que ver é fundamental. Ver bebés a nascer de forma natural, sem drogas, sem soros, sem tesouras, sem batas brancas por todo o lado, sem gente a mandar fazer isto ou aquilo, sopre agora, faça força, agora esteja quieta, agora não respire.

Ver. Ver como mulheres como nós dão à luz (já nem esta expressão encaixa bem...). Ver como elas conseguem, ver como lidam com aquela dor necessária para que o bebé nasça, ver como ficam depois do nascimento, ver como os bebés se comportam a mamar mal nascem, ver como horas depois se levantam e se sentam e cuidam do recém-nascido.

Falar com elas. Falar, perguntar, ouvir o que têm para dizer. Que história têm para nos contar.

Já vi muitos partos e já falei cara a cara com algumas mulheres que passaram por uma experiência assim. E uma coisa vos garanto. Há uma luz que se acende nos olhos delas e a última coisa de que falam é da dor. Normalmente sou eu que pergunto... E doeu? E aí elas respondem. Sim, claro, mas no meio daquela experiência avassaladora, o que é que isso lhes interessa? Que peso é que tem? Ao que percebo do que me dizem, muito pouco.

Expressões mais utilizadas? Eu conto: fantástico, inacreditável, senti que podia fazer tudo, parecia uma leoa, nunca imaginei que tivesse aquela força dentro de mim, senti que me preparou para a maternidade, foi o momento mais incrível da minha vida.

E então? Quem quer dizer«passo»?


Leiam aqui o testemunho da jornalista da Pais&Filhos, Patrícia Lamúrias, publicado na revista em Maio de 2008. Ela esteve lá.

sábado, 23 de julho de 2011

Ida ao laboratório

A informação vale ouro.

Esta manhã, na aula de hidroginástica para grávidas:

Prof. - Então é a última aula..
Aluna - Sim, o Guilherme nasce terça-feira.
Prof. - Ai é? E então?
Aluna - Não sei mais que isto. A médica disse para eu lá estar às oito e para não pensar no assunto no fim-de-semana.
Prof. - Mas não falaram do parto?
Aluna - Não... Ela preferiu não adiantar muita coisa para eu não ficar nervosa.

Roí-me por dentro para não abrir a boca e aí talvez deixar alguém nervoso. Calei-me mais uma vez a pensar, pronto, mais uma mulher tratada como se não tivesse nada a ver com o parto.

Por isso, minhas amigas e meus amigos, como o instinto conta mas gostamos de confiar na ciência - porque tantas vezes e ainda bem ela nos ajuda - há que saber. Saber muito e saber bem. Para depois escolher, ou para que pelo menos compreendamos as escolhas que outros farão em relação a nós.

Tentarei por isso publicar por aqui artigos científicos ou jornalísticos ou estudos sobre vários aspectos do parto.

O primeiro, sobre o malfadado corte. A episiotomia. Ora vejam o que escrevem os médicos com base nos estudos e aquilo que fazem à maioria das mulheres nas salas de parto:

http://www.actamedicaportuguesa.com/pdf/2003-16/6/447%20454.pdf

«O uso profiláctico/rotineiro da episiotomia continua a ser praticado frequentemente apesar da ausência de evidência científica que suporte o seu benefício. Pelo contrário, existe mesmo uma evidência clara de que a
episiotomia pode trazer algumas sequelas.»

Assinam este artigo médico duas obstetras da Maternidade Alfredo da Costa.


Entrevistados por mim há uns anos, os obstetras Diogo Ayres Campos e Manuel Hermida foram claros na sua avaliação sobre em que condições se justifica a episiotomia: perante o sofrimento fetal que obriga à aceleração do nascimento e por isso ao corte dos tecidos vaginais.

Aqui fica esta informação. Para ter algo para pensar no fim de semana....

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Do cérebro para a barriga

Tenho outro blogue, chama-se Lista de Compras e há uns anos valentes, escrevi um post, ou melhor, reproduzi um post de uma outra blogger que continha a expressão «virgens aparecidas das dores do parto». Fui insultada por várias dessas pessoas que eu classificava de forma menos simpática (sim é um eufemismo, eu sei), apareceram doulas, apareceram pessoas que me chamaram ignorante e eu nas tintas para todas elas.

Para mim, naquela altura, parto era igual a duas coisas: nascimento e dor. Parto era principalmente dor, porque o nascimento era uma inevitabilidade e um desejo para mim, que estava grávida. A dor não. A dor era algo a evitar a todo o custo.

Até o meu marido levou com as minhas fúrias pró-epidural, quando ousou dizer-me: «Mas tanta gente pariu, como pode ser assim tão difícil? A tua avó teve cinco filhos!». E eu, virada para aquele homem que obviamente não tinha qualquer voto na matéria porque nunca iria sentir uma contracção na vida, subia paredes. «A minha avó também deve ter arrancado dentes sem anestesia e sobreviveu, mas se eu posso não ter dor, obviamente que não quero ter.» A analogia com a cadeira do dentista era a minha preferida e de cada vez que alguém me falava de parir sem epidural eu benzia-me, ou amaldiçoava quem proferia tal heresia.

Toda a minha vida ouvi falar de dor no parto. Todos os filmes que tinha visto até então mostravam mulheres aos gritos desenfreados, sangue por todo o lado, um cenário de horror. A verdade porém é que nunca falei com a minha avó a tempo de poder perceber o que tinha sido para ela, ela que se chamava Luz, parir cinco filhos sem anestesias, em casa, rodeada de outras mulheres. Já não vou a tempo.

E então chegou o meu primeiro filho. Nove meses depois de uma gravidez maravilhosa, nunca me senti cansada, nem inchada, nem farta de estar grávida, adorei cada pontapé que ele me deu, tudo. Pouco pensei no momento que estava para chegar. A médica iria estar no hospital privado onde eu iria ter a criança, um anestesista ao meu dispor e a ideia, lançada numa das últimas consultas, acho que a única na qual se falou do parto, de provocar o nascimento do bebé.

Perguntei porquê, se estava tudo tão bem. Responderam-me do outro lado, do lado de uma bata branca, para a minha barriga de oito meses: «É mais seguro, porque assim está tudo controlado e o bebé monitorizado do princípio ao fim.»

«Monitorizado, seguro e sem dor?», perguntou o meu cérebro sem ligar à minha barriga. É isto que eu quero. É isto que a minha cabeça pede. E foi isso que tive. Não dei um ai... Não senti uma contracção. Rebentaram-me as águas com um instrumento horroroso e foi o único momento de dor que tive.

Naquele dia tão importante da minha vida, passei o dia a ler revistas e lembro-me até de o meu marido falar de futebol com o anestesista. Acho até que havia uma televisão ligada. Havia isto tudo na minha cabeça. E na minha barriga, tão longe, estava um bebé a receber fármacos para nascer. Na minha barriga estava a epidural que me deixava ler revistas num dia daqueles. O dia em que o meu filho nasceu.

A meio da tarde o primeiro medo: «Se calhar vamos ter de fazer uma cesariana. Não está a dilatar.» E acho que aí a minha barriga me disse alguma coisa. Eu respondi nem pensar. Vá dar uma volta. Venha mais tarde. E assim foi. Às 18h15 tinha a médica a pedir uns forceps, um pediatra a empurrar-me a barriga e eu a fazer sei lá o quê que me mandavam, com panos verdes por todo o lado, eles a falarem e a minha barriga nada, longe da minha cabeça.

Ele nasceu. Sim, nasceu. O meu filho nasceu. E deste dia é isto que eu tenho para contar. Vi-lhe os pés, depois a cara. Levaram-no e eu fui cosida. Voltaram e ele mamou, mamou lindamente. Estava tudo bem com ele. Mas no meu cérebro, houve uma coisa que não se acendeu...

Não percebi logo tudo. E quando falava com alguém dizia correu tudo bem, não doeu nada. Não doeu nada, foi tudo muito bem. Só mais tarde se fez luz, na minha cabeça, no meu coração e na minha barriga que já não era de grávida... Correu tudo bem sim. Nasceu um bebé saudável. Eu sobrevivi sem mazelas físicas de maior.

Mas faltou. Faltou uma coisa. Eu. Eu com ele. A minha cabeça, com o meu coração e a minha barriga e as minhas pernas e os meus músculos e as minhas hormonas e o meu sangue e a minha força junta com ele. O Jaime nasceu sozinho. E eu afinal podia ter estado lá...

Odeio babyblogues

... e por isso este não será um. Não vai ter fotografias dos meus filhos, nem da minha barriga, muito menos de fraldas sujas, babas e ranhos e outras coisas que não passam a ser giras nem a cheirar bem só porque saem do maravilhoso corpo do ser que parimos.
Para começar este será um mulher-blogue. Ou melhor: um mulher-grávida-do-segundo-filho-blogue-que-está-em-casa-e-por-acaso-gosta-de-escrever-e-partilhar-e-discutir-coisas. Muitas coisas. Nesta altura coisas sobre a gravidez, o parto e a maternidade. Em muitas matérias sou do género leoa com a cria e não abro mão, noutras quero saber mais e vou à procura e noutras ainda, como muita gente, gosto de acreditar na sabedoria de quem já passou por mais que eu, ou que estudou mais, ou que pura e simplesmente me garanta: isto funciona.
Olá. Bem vindos à selva.